Passado digital dificulta migração para outra rede social

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Passado digital dificulta a migração para outra rede social

Há algum tempo escrevi um artigo sobre como o Snapchat retratava a mudança comportamental das distintas gerações com relação a permanência de suas ações no meio digital.

Entre a eternidade e a efemeridade dos acontecimentos, a nova geração parece abrir mão da primeira em detrimento de um maior consumo de conteúdo.

Um estudo da Microsoft, publicado pela revista Time, ilustrou como o ‘attention span’ (quantidade de tempo de concentração antes de distrair-se) vem diminuindo.

Enquanto os chamados Millenials apresentavam um tempo de atenção de 12 segundos (não à toa o tempo máximo de um vídeo no Instagram é de 15 segundos), a tal ‘geração Alpha’ já possui uma capacidade de retenção da atenção menor do que um peixinho dourado, 8 segundos. Brinco que estamos em uma redução “tendendo à Dory”.

A quantidade de tempo de concentração antes de distrair-se vem diminuindo

O economista Herbert Simon, especialista em psicologia cognitiva, já bradava que “riqueza de produção produz pobreza de atenção”. Quando tudo e todos estão conectados e produzindo informação, nos vemos obrigados a otimizar nossos filtros de relevância (o que realmente serve pra mim?) e lidar com a informação passada de forma distinta.

Como há cada vez mais informação nova, é preciso filtrar a relevância não apenas daquilo a que estamos expostos no momento, mas também de tudo aquilo que passou. Entendendo, por exemplo, quais daquelas 4.236 fotos da viagem para Paris realmente precisam ser guardadas para, algum dia, talvez, serem resgatadas.

O extremo desta retenção minimizada é o crescimento do consumo ‘ao vivo’ também no meio digital, algo que o Periscope introduziu e, mais recentemente, o Facebook também abraçou com o Live.

Novas redes sociais, velhas histórias

Em marketing há um conceito chamado ‘custo de mudança’. Grosso modo é o custo (tangível ou intangível) de se alterar de um fornecedor ou marca para seu concorrente. Como, por exemplo, em um parque de equipamentos de informática, o custo atrelado à migrar da empresa X para a empresa Y muitas vezes supera potenciais ganhos em preços menores oferecidos pela empresa Y.

Este custo, racionalmente, está atrelado à migrações de dados, capacitação para funcionários, revisão de processos, entre outros. Logo, a lealdade a uma empresa é diretamente afetada também por este custo de mudança.

No mundo da exposição social (e suas redes) este tema também existe quando tratamos de experiências similares.

Em dezembro de 2011, quando o Facebook ultrapassou o Orkut no Brasil, a conquista foi muito maior do que o uso diário de uma ferramenta ou outra. A rede do tio Mark conseguiu com que os brasileiros ignorassem toda uma história pessoal construída no Orkut para iniciá-la novamente em um outro ambiente.

Os benefícios percebidos pela audiência ao fazer parte de uma rede social global superou o valor da fotos, histórias (scraps), que deveriam ser deixados para trás. E, quando a migração ultrapassa o “abismo” da curva de inovação, não há mais volta; os que não estavam passam a querer estar simplesmente porque “todo mundo já está”.

O abismo da curva de inovação

 

Nesta mesma época (2011), foi lançado o Google Plus, rede social que, sejamos sinceros, não é utilizada por ninguém que não seja funcionário do Google.

E a razão de seu fracasso não está de forma alguma ligada a percepção de valor real de suas funcionalidades (sim, existem ferramentas muito legais e úteis no G+).

Sua não adoção pela massa em geral vem justamente do fato destes benefícios (muitas vezes apresentados com o devido discurso ‘engenheirístico’ do Google) não superarem o custo da mudança de uma rede que faz praticamente a mesma coisa e onde todo mundo já está.

Por este mesmo motivo, creio difícil o ‘novo Orkut’, a rede Hello, conseguir brigar de frente com o Facebook. Rede social por rede social, fico onde estou.

As demais ferramentas digitais posteriormente adotadas pelo público em geral apresentam formas de consumo de conteúdo distintas, ao invés de tentarem brigar com o Facebook. Por este motivo, primeiramente focam a utilização paralela à principal rede social e, eventualmente, em sua substituição.

O Instagram não é uma rede social como até então estávamos acostumados, embora seja social, e forme redes de influência. O mais recente unicórnio do Vale do Silício, o Snapchat, tampouco é uma rede social como até então estávamos acostumados, embora também seja social e forme redes de influência.

O modelo de consumo de conteúdo é distinto, e sua forma de consumo acaba por, posteriormente, moldar o próprio conteúdo consumido.

Consumo rápido

Do livro para o blog, do blog para o tweet, do tweet para a foto, da foto para 8 segundos.

Em uma sociedade com TDAH constante (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), há um esforço constante em produzir e consumir conteúdo (entenda “conteúdo” como qualquer coisa — um post, uma foto, um texto, um snap, um tweet, independente de sua qualidade ou relevância existencial).

Como o dia continua tendo 24 horas e a quantidade recebida é infinitamente superior à produzida, vemos duas consequências diretas: o consumo imediato do presente em detrimento da memória (fatos passados) e um aumento do foco no “eu” em detrimento do “social”.

O primeiro ponto está ligado à preferência por conteúdos efêmeros, inconsequentes e imediatos (Snapchat? EmoticonsEmojis? ). FOMO (de fear of missing out) é a sensação de quem se sente perdendo alguma coisa, alguma informação sobre algo acontecendo em algum lugar. Algo como o medo de ficar por fora.

O segundo ponto trata de um maior foco na produção que no consumo. Ao invés de preocupar-se em estabelecer laços mais fortes com uma rede de contatos e amigos, prioriza-se a exposição pessoal. Ou melhor, prioriza a produção de conteúdo para uma audiência sem face, traduzida em likes e followers desconhecidos, estejam ou não lá (ainda no Snapchat, por exemplo, não é possível saber seu ‘número de followers’).

O abandono do passado digital torna-se, portanto, fator de risco para a lealdade a uma ferramenta ou outra, já que reduz o custo de mudança entre uma ou outra.

O alcande de posts orgânicos familiaresNão por coincidência, o Facebook ampliou o alcance dos posts orgânicos familiares e a recuperação de todo seu capital histórico digital através de funcionalidades como o “Neste dia”, que mostra as atividades que você realizou na ferramenta, neste dia, há 1, 2, 6 anos atrás.

Seria uma forma de lembrar que ‘o passado é importante’? Que suas memórias têm valor e, portanto, não deveriam ser deixadas para trás (enquanto você se move para outras ferramentas digitais mais efêmeras)?

Aliás, qual o valor de seu passado digital? [Webinsider]

JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.

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